Escrito por: Vincent Cheung
Deus… nos salvou e nos chamou com uma santa vocação, não em virtude das nossas obras, mas por causa da sua própria determinação e graça. Esta graça nos foi dada em Cristo Jesus desde os tempos eternos… (2 Timóteo 1.9)
A doutrina que é Deus e somente Deus quem salva
se estende à natureza e papel da fé na salvação. Os cristãos estão acostumados
à ideia que somos “salvos pela fé”, mas nem sempre é claro para eles o que isso
significa. Paulo coloca a fé em contraste com as obras em suas exposições sobre
a salvação. Contudo, as ideias simples de fé e obras são apenas abreviações de
visões mais completas sobre o assunto. O apóstolo se opõe à visão que diz “Eu
salvo a mim mesmo por minhas obras”, mas ele não substitui isso por “Eu salvo a
mim mesmo por minha fé”! Todavia, alguns cristãos falam e pregam como se essa
fosse a doutrina apostólica, que não nos salvamos pelas obras, mas nos salvamos
pela fé. Quando os cristãos esquecem que a salvação pela fé é posta como um
contraste contra a salvação pelas obras, eles tendem a colocar o foco sobre a
fé como tal como o caminho ou o meio para a salvação. Mas a
fé em si não pode salvar. Fé é um termo relacional – você crê em algo. É esse
“algo” que salva você. Fé é somente um termo descritivo para a relação.
Isso é essencial porque Paulo não diz que Deus te
salva porque você colocou sua fé nele. De fato, isso seria verdadeiro a partir
de uma perspectiva – depende
do que “porque” significa – mas Paulo está considerando o cerne da questão. Ele
diz que Deus te salva por causa do seu propósito e graça. Isto é, ele te salva
por causa da sua própria razão e bondade. Se é assim, então pelo menos quando
falando neste nível, não podemos dizer que Deus te salva por causa de sua fé,
visto que sua fé não é o mesmo que o propósito dele, e sua fé não é a graça
dele. E se Deus não te salva por causa de sua fé, então ele não te salva por
causa de fé prevista. Deus não te escolheu para salvação porque ele sabia de
antemão que você creria em Cristo. Antes, ele te escolheu por causa do
propósito dele, à parte da sua fé.
Estamos prontos para abordar um defeito
generalizado no entendimento da salvação pela fé. Muitos cristãos falham em
definir fé de tal forma a distingui-la das obras de forma significativa. Eles
reconhecem que somos salvos pela fé, não pelas obras. Contudo, fé, ou crer, é
algo que fazemos, ou não? Eles respondem que a fé não é uma ação que produz
mérito para conquistar a salvação; antes, o crente é como uma pessoa que
estende sua mão para aceitar um presente, não conquistado, mas dado
gratuitamente por outra pessoa.
Há pelo menos dois problemas com isso. Primeiro,
é arbitrário insistir que essa ação não é meritória ou pelo menos uma bondade
moral, especialmente quando a Bíblia chama a incredulidade de pecaminosa. A fé
é de fato uma bondade moral. Segundo, isso não pode explicar o porquê uma
pessoa crê enquanto outra não. Deve haver alguma diferença entre as duas
pessoas. Visto que é moralmente bom crer em Cristo, e visto que é moralmente
mau rejeitar a Cristo, se a fé é como um homem que estende uma mão para aceitar
algo, então a diferença entre as duas pessoas deve incluir uma dimensão moral
também. Em outras palavras, sob essa visão, uma pessoa que aceita a Cristo o
faz porque ela já é uma pessoa melhor que aquela que rejeita a Cristo
mesmo antes de realmente aceitar a Cristo. Os cristãos são
pessoas melhores que os não cristãos antes de se tornarem
cristãos. Contudo, Paulo chama a si mesmo de o pior dos pecadores.
A Escritura define fé de uma forma diferente.
Paulo diz que a própria fé é um dom (Efésios 2.8). E se a própria fé é um dom,
o que é a mão que recebe a fé? A analogia da mão é inexata e inútil, mas se
formos mantê-la por causa da ilustração, então ela deve ser drasticamente
modificada. Visto que a própria fé é um dom, então a salvação não pode
consistir em Deus estender o dom da justiça para nós enquanto esticamos a mão
da fé para tomá-lo. Antes, não começamos com nenhuma mão, mas Deus cria uma mão
onde não existia nenhuma antes. Então, ele chega, toma a nossa mão e a puxa, e
coloca o dom da justiça na mão que ele criou, e após isso ele empurra a mão de
volta para o nosso lado. Ela é “nossa” mão somente no sentido que está ligada a
nós, mas ela é um dom e uma criação de Deus, e sujeita ao seu controle. É
somente nesse sentido que Deus nos salva “por causa” da nossa fé, isto é, no
sentido que fé é parte da sua obra de salvação em nós e que
fé é parte do processo pelo qual ele nos salva.
Dessa forma, permanece o fato que ele nos salva por causa dele mesmo. É mais
preciso dizer que temos fé porque ele nos salva, e não que ele nos salva por
causa da nossa fé.
Não somos salvos pela fé como tal,
ou pela própria fé; antes, somos salvos por Cristo somente,
e ele nos salva dando-nos fé. Fé é nossa
consciência de sua operação em nós quando ele estabelece uma relação espiritual
conosco. É correto dizer que somos salvos pela fé, conquanto percebamos que
isso é uma forma resumida de dizer que é Cristo quem nos salva dando-nos fé, e
a questão é posta dessa forma para fazer um contraste contra a visão que somos
nós quem salvamos a nós mesmos por nossas obras, ou que Deus concede salvação a
alguns e não a outros sobre a base das nossas obras. O dom da justiça é dado
aos escolhidos por meio do dom da fé. Se você tem fé, é porque é o propósito de
Deus que você tenha fé. Se você crê em Jesus Cristo, é porque Deus decidiu, à
parte de algo em você ou sobre você, que você creria em Jesus Cristo. A
salvação é totalmente uma obra de Deus, de forma que não existe nenhum lugar
para nos orgulharmos, nem mesmo pelo fato de termos fé.
Fonte: Reflections on Second TimothyTradução: Felipe Sabino de Araújo Neto, julho/2010
Fonte: http://monergismo.com/vincent-cheung/a-natureza-e-papel-da-fe/
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