O termo “avivamento” tem sido usado para designar momentos específicos
na história da Igreja em que Deus visitou seu povo de maneira especial,
pelo Espírito, trazendo quebrantamento espiritual, arrependimento dos
pecados, mudança de vidas, renovação da fé e dos compromissos com ele,
de tal forma que as igrejas, assim renovadas, produzem um impacto
distinto e perceptível no mundo ao seu redor. Entre os exemplos mais
conhecidos está o grande avivamento acontecido na Inglaterra e Estados
Unidos durante o século XVIII, associado aos nomes de George Whitefield,
João Wesley e Jonathan Edwards. Há registros também de poderosos
avivamentos ocorridos na Coréia, China, África do Sul. Há vários livros
que trazem o histórico dos avivamentos espirituais mais conhecidos.
“Avivamento” é uma palavra muito gasta hoje. Ela está no meio evangélico
há alguns séculos. As diferentes tradições empregam-na de várias formas
distintas. O termo remonta ao período dos puritanos (séc. XVII), embora
o fenômeno em si seja bem mais antigo, dependendo do significado com
que empregarmos o termo. O período da Reforma protestante, por exemplo,
pode ser considerado como um dos maiores avivamentos espirituais já
ocorridos.
Há diversas obras clássicas que tratam do assunto. Elas usam a palavra
“avivamento” no mesmo sentido que “reavivamento”, isto é, a
revivificação da religião experimental na vida de cristãos individuais
ou mesmo coletivamente, em igrejas, cidades e até países inteiros.
Vários puritanos escreveram extensas obras sobre o assunto, como Robert
Fleming [1630-1694],
The Fulfilling of the Scripture, Jonathan Edwards [1703-1758] em várias obras e um dos mais extensos e famosos, John Gillies [1712-1796],
Historical Collections Relating to Remarkable Periods of the Success of the Gospel [Coleção de Registros Históricos de Períodos Notáveis do Sucesso do Evangelho].
Mas, não foi por ai que eu comecei. O primeiro livro que li sobre avivamento foi
Avivamento: a ciência de um milagre,
da Editora Betânia. Eu era recém convertido e o livro me foi doado por
um pastor que percebeu meu interesse pelo assunto. O livro tratava do
ministério de Charles Finney, que ministrou nos Estados Unidos no século
XIX, e registrava eventos extraordinários que acompanhavam as suas
pregações, como conversões de cidades inteiras. Além das histórias, o
livro trazia extratos de obras do próprio Finney onde ele falava sobre
avivamento. Para Finney, um reavivamento espiritual era o resultado do
emprego de leis espirituais, tanto quanto uma colheita é o resultado das
leis naturais que regem o plantio. Não era, portanto, um milagre, algo
sobrenatural. Se os crentes se arrependerem de seus pecados, orarem e
jejuarem o suficiente, então Deus necessariamente derramará seu Espírito
em poder, para converter os incrédulos e santificar os crentes. Para
Finney, avivamento é resultado direto do esforço dos crentes em
buscá-lo. Se não vem, é porque não estamos buscando o suficiente.
As idéias de Finney marcaram o início de minha vida cristã. Hoje, muitos
anos e muitos outros livros depois, entendo o que não poderia ter
entendido à época. Finney era semi-pelagiano e arminiano, e muito do que
ele ensinou e praticou nas reuniões de avivamento que realizou era
resultado direto da sua compreensão de que o homem não nascia pecador,
que era perfeitamente capaz de aceitar por si mesmo a oferta do
Evangelho, sem a ajuda do Espírito Santo. As idéias de Finney sobre
avivamento, principalmente o conceito de que o homem é capaz de produzir
avivamento espiritual, influenciaram tremendamente setores inteiros do
evangelicalismo e do pentecostalismo. Hoje, tenho outra concepção acerca
do assunto.
Eu uso o termo avivamento no sentido tradicional usado pelos puritanos. E
portanto, creio que é seguro dizer que apesar de toda a agitação em
torno do nome, o Brasil ainda não conheceu um verdadeiro avivamento
espiritual. Depois de Finney, Billy Graham, do metodismo moderno e do
pentecostalismo em geral, “avivamento” tem sido usado para designar
cruzadas de evangelização, campanhas de santidade, reuniões onde se
realizam curas e expulsões de demônios, ou pregações fervorosas. Mais
recentemente, após o neopentecostalismo, avivamento é sinônimo de
louvorzão, dançar no Espírito, ministração de louvor, show gospel, cair
no Espírito, etc. etc. Nesse sentido, muitos acham que está havendo um
grande avivamento no Brasil. Eu não consigo concordar. Continuo orando
por um avivamento no Brasil. Acho que ainda precisamos de um, pelos
seguintes motivos:
1. Apesar do crescimento numérico, os evangélicos não têm feito muita
diferença na sociedade brasileira quanto à ética, usos e costumes, como
uma força que influencia a cultura para o bem, para melhor.
Historicamente, os avivamentos espirituais foram responsáveis diretos
por transformações de cidades inteiras, mudanças de leis e transformação
de culturas. Durante o grande avivamento em Northampton, dois séculos
atrás, bares, prostíbulos e casernas foram fechados, por falta de
clientes e pela conversão dos proprietários. A Inglaterra e a Escócia
foram completamente transformadas por avivamentos há 400 anos.
2. Há muito show, muita música, muito louvor – mas pouco ensino bíblico.
Nunca os evangélicos cantaram tanto e nunca foram tão analfabetos de
Bíblia. Nunca houve tantos animadores de auditório e tão poucos
pregadores da palavra de Deus. Quando o Espírito de Deus está agindo de
fato, ele desperta o povo de Deus para a Palavra. Ele gera amor e
interesse nos corações pela revelação inspirada e final de Deus. Durante
os avivamentos históricos, as multidões se reuniam durante horas para
ouvir a pregação da Palavra de Deus, para ler as Escrituras, à
semelhança do avivamento acontecido na época de Esdras em Israel, quando
o povo de Deus se quedou em pé por horas somente ouvindo a exposição da
Palavra de Deus. Não vemos nada parecido hoje. A venda de CDs e DVDs
com shows gospel cresce em proporção geométrica no Brasil e ultrapassa
em muito a venda de Bíblias.
3. Há muitos suspiros, gemidos, sussurros, lágrimas, olhos fechados e
mãos levantadas ao alto, mas pouco arrependimento, quebrantamento,
convicção de pecado, mudança de vida e santidade. Faz alguns anos recebi
um convite para pregar numa determinada comunidade sobre santidade. O
convite dizia em linhas gerais que o povo de Deus no Brasil havia
experimentado nas últimas décadas ondas sobre ondas de avivamento. “O
vento do Senhor tem soprado renovação sobre nós”, dizia o convite,
mencionando em seguida como uma das evidências o surgimento de uma nova
onda de louvor e adoração, com bandas diferentes que “conseguem aquecer
os nossos ambientes de culto”. O convite reconhecia, porém, que ainda
havia muito que alcançar. Existia especialmente um assunto que não tinha
recebido muita ênfase, dizia o convite, que era a santidade. E
acrescentava: “Sentimos que precisamos batalhar por santidade. Por isto,
estamos marcando uma conferência sobre Santidade...” Ou seja, pode
haver avivamento sem santidade! Durante um verdadeiro avivamento,
contudo, os corações são quebrantados, há profunda convicção de pecado
da parte dos crentes, gemidos de angústia por haverem quebrado a lei de
Deus, uma profunda consciência da corrupção interior do coração, que
acaba por levar os crentes a reformar suas vidas, a se tornarem mais
sérios em seus compromissos com Deus, a mudar realmente de vida.
4. Um avivamento promove a união dos verdadeiros crentes em torno dos
pontos centrais do Evangelho. Historicamente, durante os avivamentos,
diferenças foram esquecidas, brigas antigas foram postas de lado, mágoas
passadas foram perdoadas. A consciência da presença de Deus era tão
grande que os crentes se uniram para pregar a Palavra aos pecadores,
distribuir Bíblias, socorrer os necessitados e enviar missionários. Em
pleno apartheid na África do Sul, estive em Kwasizabantu, local onde
irrompeu um grande avivamento espiritual em 1966, trazendo a conversão
de milhares de zulus, tswanas e africaners. Foi ali que vi pela primeira
vez na África do Sul as diferentes tribos negras de mãos dadas com os
brancos, em culto e adoração ao Senhor que os havia resgatado.
5. Um avivamento dissipa o nevoeiro moral cinzento em que vivem os
cristãos e que lhes impede de ver com clareza o certo e o errado, e a
distinguir um do outro. Durante a operação intensa do Espírito de Deus, o
pecado é visto em suas verdadeiras cores, suas conseqüências são
seriamente avaliadas. A verdade também é reconhecida e abraçada. A
diferença entre a Igreja e o mundo se torna visível. Fazem alguns anos
experimentei um pouco disso, numa ocasião muito especial. Durante a
pregação num domingo à noite de um sermão absolutamente comum em uma
grande igreja em Recife fui surpreendido pelo súbito interesse intenso
das pessoas presentes pelo assunto, que era a necessidade de colocarmos
nossa vida em ordem diante de Deus. Ao final da mensagem, sem que
houvesse apelo ou qualquer sugestão nesse sentido, dezenas de pessoas se
levantaram e vieram à frente, confessando seus pecados, confissões
tremendas entrecortadas por lágrimas e soluços. O culto prolongou-se por
mais algumas horas. E era um culto numa igreja presbiteriana! O clima
estava saturado pela consciência da presença de Deus e os crentes não
podiam fazer outra coisa senão humilhar-se diante da santidade do
Senhor.
6. Um avivamento espiritual traz coragem e ousadia para que os cristãos
assumam sua postura de crentes e posição firme contra o erro,
levantando-se contra a tibieza, frouxidão e covardia moral que marca a
nossa época.
7. Um avivamento espiritual desperta os corações dos crentes e os enche
de amor pelos perdidos. Muitos dos missionários que no século passado
viajaram mundo afora pregando o Evangelho foram despertados em reuniões e
pregações ocorridas em tempos de avivamento espiritual. Os avivamentos
ocorridos nos Estados Unidos no século XIX produziram centenas e
centenas de vocações missionárias e coincidem com o período das chamadas
missões de fé. Em meados do século passado houve dezenas de avivamentos
espirituais em colégios e universidades americanas. Faz alguns anos
ouvi Dr. Russell Shedd dizer que foi chamado para ser missionário
durante seu tempo de colégio, quando houve um reavivamento espiritual
surpreendente entre os alunos, que durou alguns dias. Naquela época, uma
centena de jovens dedicou a vida a Cristo, e entre eles o próprio
Shedd.
Não ignoro o outro lado dos avivamentos. Quando Deus começa a agir, o
diabo se alevanta com todas as suas forças. Avivamentos são sempre
misturados. Há uma mescla de verdade e erro, de emoções genuínas e
falsas, de conversões verdadeiras e de imitações, experiências reais com
Deus e mero emocionalismo. Em alguns casos, houve rachas, divisões e
brigas. Todavia, pesadas todas as coisas, creio que um avivamento ainda
vale a pena.
Ao contrário de Finney, não creio que um avivamento possa ser produzido
pelos crentes. Todavia, junto com Lloyd-Jones, Spurgeon, Nettleton,
Whitefield e os puritanos, acredito que posso clamar a Deus por um,
humilhar-me diante dele e pedir que ele comece em mim. Foi isso que
fizeram os homens presbiterianos da Coréia em 1906, durante uma longa e
grave crise espiritual na Igreja Coreana. Durante uma semana se reuniram
para orar, confessar seus pecados, se reconciliarem uns com os outros e
com Deus. Durante aquela semana Deus os atendeu e começou o grande
avivamento coreano, provocando milhares e milhares de conversões
genuínas meses a fio, e dando início ao crescimento espantoso dos
evangélicos na Coréia.
Só lamento em tudo isso que os abusos para com o termo “avivamento” tem
feito com que os reformados falem pouco desse tema. E pior, que orem
pouco por ele.